domingo, 18 de julho de 2010

Há cerca de 10 anos, o mundo empresarial no Brasil foi surpreendido pela emergência de novas lideranças. Nomes como o de Jorge Paulo Lehman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sucupira, eram até então conhecidos como operadores do mercado financeiro, proprietários de um banco de investimentos chamado Garantia. Esses homens se tornaram os acionistas controladores de uma tradicional indústria de cervejas, a Brahma. Pouco tempo depois, o grupo comprou outra cervejaria, a Antártica. A partir dessas aquisições, o grupo assumiu o controle quase monopolístico da produção de cerveja no país, das principais marcas da bebida, além de deter a fidelidade dos pontos de venda no varejo, em escala nacional. Não suficiente, o grupo avançou no mercado internacional e adquiriu, uma após outra, importantes cervejarias nas Américas e na Europa.
Esses são fatos jornalísticos. Ainda não é história e talvez nem venha a ser, pois a Ambev – holding de âmbito nacional que controla e administra as empresas no mercado brasileiro – não tem uma política adequada de preservação da memória da empresa e de suas marcas. E, por que economistas e engenheiros que fizeram fortuna operando com títulos da dívida pública brasileira desde os anos 1970 sentir-se-iam responsáveis por cultivar a memória de sua principal marca – a Brahma – se sua racionalidade é o resultado rápido e a maior eficiência?
Eficiência não era bem a tônica da cultura organizacional da Brahma nos anos 1970 e 1980, relatam antigos funcionários. Prevalecia a tradição, e o apego à empresa, pois muitos passaram toda a sua vida profissional na Brahma, que lhes recompensava com assistências várias. A Antártica não tinha bem um grupo acionista majoritário, pois seu controle e gestão estavam nas mãos de um sindicato dos funcionários. Além disso, acumulava dívidas e os custos de produção das cervejarias no período inflacionário – inclusive os custos cambiais – não eram compensados pela política de preços, mantidos sob o controle do governo.
Os tempos mudaram, dizem os saudosistas da velha Brahma e da Antártica. E como! A Ambev instaurou uma cultura da competição por resultados entre os próprios funcionários. Ninguém é estável e ninguém é imprescindível.
Se a compra das ações da Brahma pelo banco Garantia e posterior criação da Ambev, com seus desdobramentos, representam uma ruptura tão drástica com o passado, qual o sentido de investigar os primeiros 40 anos da Brahma? Porque entre o passado e a situação presente da Brahma persistem dois vínculos: a marca, e a política de expansão de vendas a partir da aquisição de unidades de produção próximas ao mercado consumidor-alvo.
Para compreender a origem das duas maiores cervejarias do Brasil – a Antártica e a Brahma – é preciso compreender a lógica da competição entre os capitais estrangeiros pelo mercado brasileiro. Com este fim, é preciso abandonar a imagem de que as fronteiras de negócios da comunidade empresarial alemã no país se expandiam a partir de um planejamento integrado e sistemático dos passos a serem dados para conquistar o mercado brasileiro. Tampouco, devemos pensar que a expansão dos interesses alemães no Brasil necessitou de uma expressiva presença de imigrantes consumidores de produtos daquele país. De outra forma, não poderia ter havido cervejarias industriais no Rio de Janeiro, onde a população de origem alemã era inexpressiva. A ordem dos fatos é a seguinte: primeiro vieram empresas comerciais e seguradoras voltadas para os negócios com o café. Depois, vieram homens de elevada escolaridade – engenheiros, contadores, mestres-cervejeiros – que se fixaram aqui, adquiriram experiência no mercado brasileiro e se tornaram a ponte entre os dois mundos, o brasileiro e o alemão. Alguns desses homens receberam treinamento nas empresas que comercializavam o café. Terceiro, surgiram oportunidades de investimento, que esses homens visualizaram. Para concretizá-las, valeram-se de suas redes relacionais no mercado alemão para comprar equipamentos e matéria-prima e alguns obtiveram financiamento em empresas financeiras alemães instaladas no Brasil.
Nesse particular, o mito da especial propensão dos bancos alemães para financiar projetos industriais deve ser abandonado, uma vez que o pertencimento a uma comunidade de negócios faz circular a reputação do solicitante de crédito de modo benéfico e também prejudicial. Como se comentará com maior detalhe, Georg Maschke solicitou crédito ao Brasilianischen Bank fur Deustchland e, justamente, porque o banco dispunha de informação plena sobre os números da Brahma, o empréstimo não saiu como o desejado por Maschke. Os bancos alemães que começaram a ser constituídos para operar na América Latina – Argentina, Brasil, Chile e México – buscavam financiar o comércio de commodities para a emergente economia industrial alemã, financiar a dívida dos países e criar uma zona comercial para os produtos alemães. Os bancos, em particular, aquele que financiou a expansão da escala de operações da Brahma, cercou-se de muitos cuidados para conceder o crédito ao controlador da Brahma. A Brahma surgira em 1888, pela iniciativa de um suíço chamado J. Villiger, que, em 1894 passou o negócio ao cervejeiro Georg Maschke. Em outubro do ano seguinte, este formou sociedade com o comerciante alemão J. Baptist Friederizi, proprietário do restaurante Stadt München, localizado na Praça Tiradentes, então o centro nervoso da noite do Rio de Janeiro, repleto de teatros e restaurantes. Maschke e Friederizi constituíram a firma Georg Maschke & Cia.
Maschke esteve à frente da Brahma enquanto foi conveniente para o banco. Em 1906, ele retornou para a Europa e Joahann Kunning assumiu a presidencia da empresa sob rigorosa supervisão do banco, o principal acionista. A essa época a Brahma já era uma sociedade anônima e o seu presidente respondia aos acionistas por suas decisões.
Duas Guerras depois, os Kunning ainda estavam à frente da Brahma e o banco Brasilianischen estava extinto.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Cerveja e mulheres


Que aguardente, que nada! Cerveja é a bebida nacional. Recentemente, uma pesquisa de alcance nacional revelou que 60% do que os brasileiros bebem regulamente é cerveja. A preferência pela bebida alcança a todos: homens, mulheres, gente urbana, gente que vive no interior, de norte a sul.(Laranjeira, R. Padrão do uso de álcool..., Revista Brasileira de Psiquiatria, nov.2009)
Com tantos apreciadores fiéis no país, uma empresa vem tentando quebrar a hegemonia da Ambev, que detém as marcas mais conhecidas – Skol, Brahma e Antártica – através de agressiva campanha publicitária de uma de suas marcas. Uma atriz (ou será uma celebridade?) norte-americana foi contratada. Fez pose no carnaval, tirou fotos entre famosos e quase-famosos nacionais e estrelou um comercial veiculado na TV. Neste ponto, surgiu a polêmica que alimenta os jornais nos últimos dias. De um lado, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres queixa-se do apelo excessivamente erótico da campanha, no que foi apoiada pelo Conar; de outro, articulistas dos jornais abandonam a modorrenta cobertura da disputa presidencial para criticar veementemente o que consideram uma intromissão indevida no direito de expressão. Nunca vi tantos jornalistas – todos eles homens – tão indignados com o que consideram ser o supremo direito de associar cerveja a sexo e à possessão do outro(a).
Diria eu, que sei um pouco sobre a história da indústria no Brasil: que novidade! Lá pelos anos 1920, quando as cervejarias se empenhavam para se afirmar na opinião pública como produtoras de bebida legítima, pouco alcoólica e até nutritiva (para horror dos médicos temperantes), as grandes cervejarias de baixa fermentação tinham algumas marcas de nomes apelativos. Eram bem poucas as empresas dignas de serem chamadas indústrias, então: Brahma, Hanseática e Polar, no Rio de Janeiro; Guanabara, Antártica e Germânia, em São Paulo; a Ritter do Rio Grande do Sul e outras menores no Paraná. Vê-se que os nomes das empresas remetiam à tradição cervejeira alemã, à família dos fundadores, ou faziam alusão à forma como a bebida era apresentada aos consumidores – gelada. Ah! E a Brahma? Esse nome ninguém conseguiu decifrar a origem. O mistério morreu com o fundador, o suíço Villiger.
Cada uma dessas empresas tinha uma linha de cerveja popular. Entende-se por popular, o trabalhador que ganhasse o bastante para pagar $300 réis a garrafa colocada em um bar. Uma cerveja, como a Fidalga, da Brahma, e considerada como de primeira qualidade, custava cerca de 30% a mais. Além do preço menor, as cervejas populares, chamadas de terceira qualidade, tinham menor teor de mosto, isto quer dizer, para quem não conhece o glossário cervejês, que tinham menor teor de matéria prima. Desenhadas assim, para atender ao bolso e ao gosto dos consumidores urbanos – operários, trabalhadores do comércio e de serviços – as cervejas de terceira tinham também nomes inspiradores. A Brahma tinha a Cavalleira, lançada em 1912, cuja propaganda mostrava uma corista loira vestida com um corselete, montada sobre uma garrafa. Também tinha a Negrinha e a Tetéia, ambas registradas em 1914. Em 1945, a Brahma registrou a Negrita e levou para seu estoque de marcas a Mulatinha, registrada pela cervejaria Guanabara, em 1923. Esta cervejaria, que ficava na cidade de São Paulo, foi uma das muitas que a Brahma comprou ao longo do tempo. Outra marca da Brahma que também faz alusão à figura feminina era a Ella, registrada em 1910.
A lista de nomes de indiscutível apelo sexual e até racial só cresceria se conhecêssemos os registros de marcas das outras cervejarias do país com a mesma sistematicidade. O que mencionamos aqui serve de exemplo de uma prática de mercado com o propósito claro de agradar aos consumidores masculinos. Sim, porque ao tempo do vovô, mulheres não freqüentavam bares, a não ser que vivessem da noite. E também não bebiam cerveja da mesma forma como fazem hoje. A bem da verdade, bebiam, sim. Mas era a nutritiva e tonificante Malzbier, doce e apropriada às lactantes.
Também não havia resistência a essas práticas. As feministas estavam muito ocupadas em conquistar o direito de votar. Se já votassem, é possível que levantassem a voz para se queixar do mau gosto das propagandas de cerveja popular então.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Uma quadra em Brasília



É sempre assim depois de uma chuva. Periquitos vem de outro lugar, talvez do Lago Norte, e vem fazer confusão nos coqueiros que restam na quadra. Procuram pelas florzinhas, aparentemente saborosas. Voam de uma árvore a outra enquanto conversam entre si fazendo barulho.
Observo-os da minha janela, onde está a mesa de estudo e de empilhamento de papéis pendentes de exame. Não se importam com isso, talvez nem percebam tão entretidos estão com as florzinhas, ou bichinhos da árvore.
Enquanto houver coqueiros por aqui, haverá periquitos. Até que algum grupo de moradores decida que árvores são ameaças e solicitem a ação impiedosa da Novacap para colocá-las à baixo.