Que aguardente, que nada! Cerveja é a bebida nacional. Recentemente, uma pesquisa de alcance nacional revelou que 60% do que os brasileiros bebem regulamente é cerveja. A preferência pela bebida alcança a todos: homens, mulheres, gente urbana, gente que vive no interior, de norte a sul.(Laranjeira, R. Padrão do uso de álcool..., Revista Brasileira de Psiquiatria, nov.2009)
Com tantos apreciadores fiéis no país, uma empresa vem tentando quebrar a hegemonia da Ambev, que detém as marcas mais conhecidas – Skol, Brahma e Antártica – através de agressiva campanha publicitária de uma de suas marcas. Uma atriz (ou será uma celebridade?) norte-americana foi contratada. Fez pose no carnaval, tirou fotos entre famosos e quase-famosos nacionais e estrelou um comercial veiculado na TV. Neste ponto, surgiu a polêmica que alimenta os jornais nos últimos dias. De um lado, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres queixa-se do apelo excessivamente erótico da campanha, no que foi apoiada pelo Conar; de outro, articulistas dos jornais abandonam a modorrenta cobertura da disputa presidencial para criticar veementemente o que consideram uma intromissão indevida no direito de expressão. Nunca vi tantos jornalistas – todos eles homens – tão indignados com o que consideram ser o supremo direito de associar cerveja a sexo e à possessão do outro(a).
Diria eu, que sei um pouco sobre a história da indústria no Brasil: que novidade! Lá pelos anos 1920, quando as cervejarias se empenhavam para se afirmar na opinião pública como produtoras de bebida legítima, pouco alcoólica e até nutritiva (para horror dos médicos temperantes), as grandes cervejarias de baixa fermentação tinham algumas marcas de nomes apelativos. Eram bem poucas as empresas dignas de serem chamadas indústrias, então: Brahma, Hanseática e Polar, no Rio de Janeiro; Guanabara, Antártica e Germânia, em São Paulo; a Ritter do Rio Grande do Sul e outras menores no Paraná. Vê-se que os nomes das empresas remetiam à tradição cervejeira alemã, à família dos fundadores, ou faziam alusão à forma como a bebida era apresentada aos consumidores – gelada. Ah! E a Brahma? Esse nome ninguém conseguiu decifrar a origem. O mistério morreu com o fundador, o suíço Villiger.
Cada uma dessas empresas tinha uma linha de cerveja popular. Entende-se por popular, o trabalhador que ganhasse o bastante para pagar $300 réis a garrafa colocada em um bar. Uma cerveja, como a Fidalga, da Brahma, e considerada como de primeira qualidade, custava cerca de 30% a mais. Além do preço menor, as cervejas populares, chamadas de terceira qualidade, tinham menor teor de mosto, isto quer dizer, para quem não conhece o glossário cervejês, que tinham menor teor de matéria prima. Desenhadas assim, para atender ao bolso e ao gosto dos consumidores urbanos – operários, trabalhadores do comércio e de serviços – as cervejas de terceira tinham também nomes inspiradores. A Brahma tinha a Cavalleira, lançada em 1912, cuja propaganda mostrava uma corista loira vestida com um corselete, montada sobre uma garrafa. Também tinha a Negrinha e a Tetéia, ambas registradas em 1914. Em 1945, a Brahma registrou a Negrita e levou para seu estoque de marcas a Mulatinha, registrada pela cervejaria Guanabara, em 1923. Esta cervejaria, que ficava na cidade de São Paulo, foi uma das muitas que a Brahma comprou ao longo do tempo. Outra marca da Brahma que também faz alusão à figura feminina era a Ella, registrada em 1910.
A lista de nomes de indiscutível apelo sexual e até racial só cresceria se conhecêssemos os registros de marcas das outras cervejarias do país com a mesma sistematicidade. O que mencionamos aqui serve de exemplo de uma prática de mercado com o propósito claro de agradar aos consumidores masculinos. Sim, porque ao tempo do vovô, mulheres não freqüentavam bares, a não ser que vivessem da noite. E também não bebiam cerveja da mesma forma como fazem hoje. A bem da verdade, bebiam, sim. Mas era a nutritiva e tonificante Malzbier, doce e apropriada às lactantes.
Também não havia resistência a essas práticas. As feministas estavam muito ocupadas em conquistar o direito de votar. Se já votassem, é possível que levantassem a voz para se queixar do mau gosto das propagandas de cerveja popular então.
Com tantos apreciadores fiéis no país, uma empresa vem tentando quebrar a hegemonia da Ambev, que detém as marcas mais conhecidas – Skol, Brahma e Antártica – através de agressiva campanha publicitária de uma de suas marcas. Uma atriz (ou será uma celebridade?) norte-americana foi contratada. Fez pose no carnaval, tirou fotos entre famosos e quase-famosos nacionais e estrelou um comercial veiculado na TV. Neste ponto, surgiu a polêmica que alimenta os jornais nos últimos dias. De um lado, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres queixa-se do apelo excessivamente erótico da campanha, no que foi apoiada pelo Conar; de outro, articulistas dos jornais abandonam a modorrenta cobertura da disputa presidencial para criticar veementemente o que consideram uma intromissão indevida no direito de expressão. Nunca vi tantos jornalistas – todos eles homens – tão indignados com o que consideram ser o supremo direito de associar cerveja a sexo e à possessão do outro(a).
Diria eu, que sei um pouco sobre a história da indústria no Brasil: que novidade! Lá pelos anos 1920, quando as cervejarias se empenhavam para se afirmar na opinião pública como produtoras de bebida legítima, pouco alcoólica e até nutritiva (para horror dos médicos temperantes), as grandes cervejarias de baixa fermentação tinham algumas marcas de nomes apelativos. Eram bem poucas as empresas dignas de serem chamadas indústrias, então: Brahma, Hanseática e Polar, no Rio de Janeiro; Guanabara, Antártica e Germânia, em São Paulo; a Ritter do Rio Grande do Sul e outras menores no Paraná. Vê-se que os nomes das empresas remetiam à tradição cervejeira alemã, à família dos fundadores, ou faziam alusão à forma como a bebida era apresentada aos consumidores – gelada. Ah! E a Brahma? Esse nome ninguém conseguiu decifrar a origem. O mistério morreu com o fundador, o suíço Villiger.
Cada uma dessas empresas tinha uma linha de cerveja popular. Entende-se por popular, o trabalhador que ganhasse o bastante para pagar $300 réis a garrafa colocada em um bar. Uma cerveja, como a Fidalga, da Brahma, e considerada como de primeira qualidade, custava cerca de 30% a mais. Além do preço menor, as cervejas populares, chamadas de terceira qualidade, tinham menor teor de mosto, isto quer dizer, para quem não conhece o glossário cervejês, que tinham menor teor de matéria prima. Desenhadas assim, para atender ao bolso e ao gosto dos consumidores urbanos – operários, trabalhadores do comércio e de serviços – as cervejas de terceira tinham também nomes inspiradores. A Brahma tinha a Cavalleira, lançada em 1912, cuja propaganda mostrava uma corista loira vestida com um corselete, montada sobre uma garrafa. Também tinha a Negrinha e a Tetéia, ambas registradas em 1914. Em 1945, a Brahma registrou a Negrita e levou para seu estoque de marcas a Mulatinha, registrada pela cervejaria Guanabara, em 1923. Esta cervejaria, que ficava na cidade de São Paulo, foi uma das muitas que a Brahma comprou ao longo do tempo. Outra marca da Brahma que também faz alusão à figura feminina era a Ella, registrada em 1910.
A lista de nomes de indiscutível apelo sexual e até racial só cresceria se conhecêssemos os registros de marcas das outras cervejarias do país com a mesma sistematicidade. O que mencionamos aqui serve de exemplo de uma prática de mercado com o propósito claro de agradar aos consumidores masculinos. Sim, porque ao tempo do vovô, mulheres não freqüentavam bares, a não ser que vivessem da noite. E também não bebiam cerveja da mesma forma como fazem hoje. A bem da verdade, bebiam, sim. Mas era a nutritiva e tonificante Malzbier, doce e apropriada às lactantes.
Também não havia resistência a essas práticas. As feministas estavam muito ocupadas em conquistar o direito de votar. Se já votassem, é possível que levantassem a voz para se queixar do mau gosto das propagandas de cerveja popular então.